quinta-feira, 6 de março de 2014

SOBRE “MALHANDO EM FERRO FRIO” DE LIZUARTE MACHADO

Artigo da autoria do Eng. José Ribeiro Pinto


O Sr. Deputado Lizuarte Machado (LM para simplificar) publicou no “Jornal do Pico” (Ler AQUI) de 28 de Janeiro um artigo com o título acima indicado, no qual se refere à Resolução nº. 9/2014 aprovada em Conselho do Governo no passado dia 20 de Janeiro a qual autoriza a empresa pública Atlânticoline a avançar com um concurso público internacional para a construção de dois navios com capacidade para 650 passageiros e 150 viaturas e cujo custo global rondará os 85 milhões de euros. De acordo com LM, a Região "não necessita, nunca necessitou e nunca necessitará de dois feries de médio porte". As contas que faz são simples: os lugares disponibilizados pelos atuais barcos fretados rondam os dois milhões e os passageiros transportados foram 50 mil, ou seja, 2,5% de taxa de ocupação. Acresce que a faturação conseguida não terá chegado para pagar o combustível. Conclui que o custo passageiro/milha será provavelmente o mais caro do mundo. Apesar de tudo, a Região persiste em mandar construir dois ferries por 85 milhões de Euros.
Quando li o artigo no facebook, de imediato enviei a LM o seguinte comentário: “Caro Amigo, gosto do seu texto na medida em que, tanto quanto se sabe, ainda não foi apresentado qualquer estudo que suporte a decisão. Serão navios para operar todo o ano com passageiros e carga? Mas, se sim, qual carga? É óbvio que só passageiros não chega e que só a carga gerada nas ilhas também não! Vamos esperar pela reação e eventuais explicações...”.
Depois de ouvir o noticiário e ler os textos publicados no DI voltei ao artigo com mais atenção e então algumas questões se me colocaram, a saber:
Desde logo há que corrigir a estatística apresentada por LM: De facto, é absolutamente oficial que, quer em 2012 como em 2013, os ferries (Santorini e Hellenic Wind) transportaram cerca de 130.000 passageiros e não 50.000 como afirma LM. Por outro lado o “Santorini” opera de início de Maio a início de Outubro, ou seja 5 meses, e o Hellenic opera 3 meses, ou seja 8 meses e não 9. O primeiro tem capacidade para 630 passageiros e o segundo 660. Se só fizessem uma viagem por dia e considerando uma paragem semanal para descanso do pessoal e manutenção, teríamos uma disponibilidade total de lugares de 630 x 5 x 26 + 660 x 3 x 26, ou seja 133.380 lugares. Como sabemos que o Hellenic faz normalmente duas viagens por dia, ou a Santa Maria ou à Praia da Vitória e que o Santorini faz normalmente uma viagem por dia mas corrida, tocando os Portos da P. Vitória, Graciosa, Velas, S. Roque e Horta e vice-versa, temos que admitir que a capacidade de lugares disponível é maior. Vamos admitir (um pouco toscamente, é certo) que é 5 vezes mais, ou seja, 5x133.800 = 666.900 lugares. Portanto resulta uma taxa de ocupação de cerca de 19.5% e não os incompreensíveis 2.5% indicados por LM. 
É óbvio que esta não é a questão fundamental, porque sejam 2,5%, ou 20%, a grande verdade é que, como LM diz e a Atlanticoline tinha informado, “a faturação conseguida não chegou para pagar o combustível”, o que fará que com tais taxas de ocupação o custo passageiro/milha será, muito provavelmente, o mais caro do mundo.
O problema é que LM afirma que “Como é sabido, a Região não necessita, nunca necessitou e nunca necessitará de dois Ferrys de médio porte”, mas não propõe qualquer alternativa a não ser que ”o resultado era suposto ser um modelo funcionando verdadeiramente articulado, com mais escalas, mas sem duplicações e oferta excessiva e inútil”, mas também não concretiza.
Ora bem! Parece-me não haver qualquer dúvida que a Região tem que ter um sistema de transporte de passageiros e viaturas. Hoje, já toda a gente está habituada a ele e não o dispensa! A questão é saber qual sistema. 
A primeira questão, óbvia, e que a operação de 2013 começou a provar, como na altura escrevi, é que estes navios têm que ter carga, nomeadamente a chamada carga rolada!
Se a Região vai adquirir os navios, então eles terão que operar todo o ano, ou então ser alugados durante a nossa época baixa. Creio que a primeira solução é melhor se pensarmos fundamentalmente na carga. Mas se transportam carga, vão entrar em concorrência com os operadores já instalados e até já com algumas dificuldades. Estamos a falar do tráfego local (Pareces, TMG, Barcos do Pico) e da cabotagem (Transinsular, Mutualista, Boxlines).
Então, parece-me que estamos chegados ao ponto em que temos que estudar todo o sistema de transporte marítimo. De facto, no total, as empresas indicadas têm a operar uma dúzia de navios e temos dos fretes mais caros do mundo, porque a carga não chega para a grande oferta disponível! É claro que, apesar de algumas vozes discordantes mas sem sentido dos bem instalados ou dos inconscientes, o actual modelo de transportes marítimos é caduco.
Não seria mais lógico o Governo desenvolver o estudo global do sistema de transporte marítimo de mercadorias Continente - Açores e Inter – Ilhas e de passageiros Inter – Ilhas, juntar os operadores e restantes comunidades portuárias (agentes, transitários, trabalhadores portuários, etc.) e fazer acordos, parcerias, etc., com vista à obtenção de um modelo mais eficaz e mais barato e eventualmente à concessão do Inter – Ilhas (carga e passageiros) a uma empresa ou associação que agrupasse as actuais interessadas no negócio, com aplicação de um sistema de taxas e subsídios que tornasse tudo viável?      
É claro que tudo isto tem que ser bem estudado e já o devia ter sido. Pelo que se vai sabendo, não consta ainda do Plano Estratégico de Transportes, mas esperamos que venha a constar…
Com diz LM e eu estou completamente de acordo: “É…absolutamente incompreensível que se avance para a construção de dois novos navios, com as características atrás referidas sem, tendo por base níveis de serviço adequados, definir o modelo a implementar, cumprindo a máxima do Governo; “ ajustar a oferta à procura “”. E ainda: “Qual o défice anual que apresentarão estes dois navios? Reconheço que, infelizmente, a pergunta parece ser irrelevante. Serão sempre os mesmos a, direta ou indiretamente, pagar”.
© Copyright texto: Eng. Ribeiro Pinto, Terceira.
© Copyright fotos: António Simas, S. Miguel; MM Bettencourt, Graciosa.

6 comentários:

  1. O meu comentário serve para Agradecer ao Sr Eng. Ribeiro Pinto, a sua autorização para a publicação deste artigo da sua autoria.

    Um Abraço,
    Manuel

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  2. Caro MMCB

    De facto os números parecem não bater muito certo.
    Só a ATLANTICOLINE poderá informar quais os verdadeiros números, quer de passageiros quer de ocupação.
    Mas como não há fiscalização por parte da Autoridade Portuária a ATLANTICOLINE e a tutela poderão muito bem esticar ou encurtar os números conforme o seu gosto.
    Além disso o cálculo da ocupação em viagens de vários troços terá de ser feita troço a troço contabilizando-se os lugares ocupados à saída de cada porto.
    Sem controlo a missão é impossível.
    Quanto à necessidade de Ferry´s, é minha opinião que o conceito de Ferry a adoptar para os Açores deverá ser MISTO, pois permitirá dar outra solidez ao negócio e ao abastecimento das ilhas de coesão em caso de necessidade.

    Abraço

    Rui Carvalho

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  3. Este assunto dá lenha e lenha, tanta lenha que dá uma fogueira bem grande. Estudos precisam-se, mas estudos sérios. E sim, os contribuintes querem saber exactamente como é gasto o dinheiro.

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  4. Amigo Rui e Litos José,

    Estudos são precisos estamos de acordo, mas quem sabe até podem existir digo eu!

    Na minha humilde opinião, devemos olhar não para os passageiros mas para a capacidade ro-ro!Os passageiros deve ser um complemento ao transporte de carga rodada!

    Se começarmos a fazer contas apenas a passageiros é melhor nem construir os ferrys!

    Certa ou errada é a minha opinião, felizmente não sou eu que tenho a responsabilidade de tomar as decisões.
    Não aprecio a critica só pela critica, aprecio uma critica seguida de uma sugestão!

    Um Abraço aos dois,
    Manuel

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  5. Fiquei na dúvida sobre como são contabilizados os passageiros já que o mesmo passageiro fazendo uma viagem com escalas acabaria por ser contabilizado várias vezes caso sejam recontados os passageiros no inicio de cada troço... ou é contabilizado apenas o bilhete vendido?

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  6. Boas Caro Pedro Leitão,

    Infelizmente não sei responder!

    Pode ser que alguém responda e essa questão.

    Cumprimentos
    Manuel

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